domingo, 14 de outubro de 2012

Aline Narcoléptica.


A cidade escolheu justamente hoje para sucumbir ao calor, o dia amanheceu bom para velejar, viajar alguns quilômetros o centro do oceano ao lado de Aline parecia a ideia menos estúpida que tivera em dias. Procurou por entre os papeis na mesa algum que tinha rabiscado seu telefone, ligou assim que encontrou. Marcou com Aline que aceitou simpaticamente o convite. Uma hora mais tarde chegou vestindo uma saída de banho branca, tinha a pele muito clara e o nariz vermelho por conta da gripe, cabelos ruivos dourados e as unhas dos pés pintadas.
Carlos tem o costume de levar alguns enlatados e pratos prontos quando sai para velejar, mas desta vez comprou peixe, vinho e algumas frutas.
— Você costuma sempre velejar sozinho?
— Sim...
— Por que? Por que não chama algum amigo?
— Porque eu prefiro assim, gosto de ouvir apenas o meu pensamento, trago cá o que gosto e não me causa desgastes mentais.
— E você me trouxe para cá...
— Sim.
— Então gosta de mim?
— Sim, Aline.-  Porra, o que ela precisa? Um sinal de neon que relampeja em sua fronte?
Aline tem um dom excepcional para questionar o que é malditamente óbvio, algumas vezes.
— De qualquer forma, me custa entender...
— Acredito que sejam singularidades..
— E nesse quesito parece que ambos estamos em extremos delas, você alguém de pouca sensibilidade e que quase nunca tem sua razão alterada e eu, provavelmente, tenho todas essas singularidades no sentido contrário.
— Veja bem, você não alimenta esse meu gênio ruim, entretanto sinto que as vezes você o absorve, acaba levando para toda sua sensibilidade o meu comportamento ruim e talvez não saiba como lidar com isso da mesma maneira que eu....
—  Talvez Carlos, afinal todos nós temos pesos e medidas diferentes para ponderar aquilo que se vê de importante para a vida. A realidade é que comecei a ponderar que realmente isso não tenha mais saída, talvez você realmente nunca consiga ser alguém totalmente sociável, não consiga perder o hábito de me fechar em uma bolha em ambientes públicos.
Não se lembrava que Aline podia falar tanto. Foi quando ela deixou de falar para regurgitar todo o fermentado que havia batido em seu estomago vazio viajando em uma enorme bacia que balança e sacode o tempo todo.
Carlos assou o peixe que comprou previamente temperado e levou até a mesa perto do estofado onde Aline encontrava-se despertando.
— Como se sente?
— Melhor do que mereço — murmurou
— Coma um pouco, é melhor...
Enquanto fatiava e servia o peixe, Aline pegou a flor que decorava a mesa e colocou nos cabelos, atrás da orelha.
Carlos não aguentou, foi impossível segurar o riso, quase gargalhou.
Aline ruborizou, — Uma mulher não pode tentar ser graciosa?
— Eu simplesmente te vi vomitando pelo chão, no mar e em si mesma. Não há nada mais deselegante em termos de educação feminina.
Aline jurou quase silenciosamente nunca mais beber vinho e velejar de uma só vez.
Carlos concordou de pronto: — Nunca, neste ou em qualquer universo... e sorriu. Em pensamento acrescentou que Aline deveria ser magnifica em qualquer condição.
— Ah, bom... E o que você pensa quando está aqui?
— Você voltou nisso...
— Eu não  entendo porque um ser humano gosta de ficar sozinho...
— Isto é muito apavorante para por em palavras...
— Apenas tente.
Aline estava quase dormindo quando insistiu com voz rouca de sono e garganta inflamada. Como ela faz isto? Ela pode convencer qualquer um de qualquer coisa.
— O mundo não aceita  pesos como eu, defuntos galvanizados, esperando em terra pela sua segunda morte... sou um autêntico fodido mental, Aline.
Tentou resistir e falhou miseravelmente  fechou os olhos, enquanto seu interior desenrolou e desligou-se do mundo exterior novamente. Ela estava linda como nunca, o tecido branco molhado, parcialmente cobertos com os cabelos longos e a pele pálida, levemente pigmentada. Perturbado concluiu, Aline era imaculada.