terça-feira, 11 de dezembro de 2012


A mesa de madeira recendia
o cheiro de cerveja
o farol dos carros
enquadrava
a grande angular daquelas
teorias sobre o caos e a vida
e sobre vermelho ser uma junção de todas as cores
mas eu na verdade acho
que seus olhos são
uma junção de todas as coisas da vida.

Você encara
esses prédios todos
de um jeito que faz com que eu me pergunte
como é que a cidade não acaba se embolotando
e ficando na contra-mão.

Enquanto digo que o
ideal seria a vida vadia
assim todos os dias
o teu olhar invade
a Bela Cintra
que mal percebes a calçada
quando percebes
meu exército de sentidos já se
rendeu ao teu
par de castanhas
declarações de guerra

E só essa avenida
só essa avenida salpicada de luzes natalinas
será capaz de resistir
ilesa aos bombardeios
que teus sorrisos
despeja sob os
céus da cidade.

domingo, 4 de novembro de 2012

Ter memória é não ter paz.

domingo, 14 de outubro de 2012

Aline Narcoléptica.


A cidade escolheu justamente hoje para sucumbir ao calor, o dia amanheceu bom para velejar, viajar alguns quilômetros o centro do oceano ao lado de Aline parecia a ideia menos estúpida que tivera em dias. Procurou por entre os papeis na mesa algum que tinha rabiscado seu telefone, ligou assim que encontrou. Marcou com Aline que aceitou simpaticamente o convite. Uma hora mais tarde chegou vestindo uma saída de banho branca, tinha a pele muito clara e o nariz vermelho por conta da gripe, cabelos ruivos dourados e as unhas dos pés pintadas.
Carlos tem o costume de levar alguns enlatados e pratos prontos quando sai para velejar, mas desta vez comprou peixe, vinho e algumas frutas.
— Você costuma sempre velejar sozinho?
— Sim...
— Por que? Por que não chama algum amigo?
— Porque eu prefiro assim, gosto de ouvir apenas o meu pensamento, trago cá o que gosto e não me causa desgastes mentais.
— E você me trouxe para cá...
— Sim.
— Então gosta de mim?
— Sim, Aline.-  Porra, o que ela precisa? Um sinal de neon que relampeja em sua fronte?
Aline tem um dom excepcional para questionar o que é malditamente óbvio, algumas vezes.
— De qualquer forma, me custa entender...
— Acredito que sejam singularidades..
— E nesse quesito parece que ambos estamos em extremos delas, você alguém de pouca sensibilidade e que quase nunca tem sua razão alterada e eu, provavelmente, tenho todas essas singularidades no sentido contrário.
— Veja bem, você não alimenta esse meu gênio ruim, entretanto sinto que as vezes você o absorve, acaba levando para toda sua sensibilidade o meu comportamento ruim e talvez não saiba como lidar com isso da mesma maneira que eu....
—  Talvez Carlos, afinal todos nós temos pesos e medidas diferentes para ponderar aquilo que se vê de importante para a vida. A realidade é que comecei a ponderar que realmente isso não tenha mais saída, talvez você realmente nunca consiga ser alguém totalmente sociável, não consiga perder o hábito de me fechar em uma bolha em ambientes públicos.
Não se lembrava que Aline podia falar tanto. Foi quando ela deixou de falar para regurgitar todo o fermentado que havia batido em seu estomago vazio viajando em uma enorme bacia que balança e sacode o tempo todo.
Carlos assou o peixe que comprou previamente temperado e levou até a mesa perto do estofado onde Aline encontrava-se despertando.
— Como se sente?
— Melhor do que mereço — murmurou
— Coma um pouco, é melhor...
Enquanto fatiava e servia o peixe, Aline pegou a flor que decorava a mesa e colocou nos cabelos, atrás da orelha.
Carlos não aguentou, foi impossível segurar o riso, quase gargalhou.
Aline ruborizou, — Uma mulher não pode tentar ser graciosa?
— Eu simplesmente te vi vomitando pelo chão, no mar e em si mesma. Não há nada mais deselegante em termos de educação feminina.
Aline jurou quase silenciosamente nunca mais beber vinho e velejar de uma só vez.
Carlos concordou de pronto: — Nunca, neste ou em qualquer universo... e sorriu. Em pensamento acrescentou que Aline deveria ser magnifica em qualquer condição.
— Ah, bom... E o que você pensa quando está aqui?
— Você voltou nisso...
— Eu não  entendo porque um ser humano gosta de ficar sozinho...
— Isto é muito apavorante para por em palavras...
— Apenas tente.
Aline estava quase dormindo quando insistiu com voz rouca de sono e garganta inflamada. Como ela faz isto? Ela pode convencer qualquer um de qualquer coisa.
— O mundo não aceita  pesos como eu, defuntos galvanizados, esperando em terra pela sua segunda morte... sou um autêntico fodido mental, Aline.
Tentou resistir e falhou miseravelmente  fechou os olhos, enquanto seu interior desenrolou e desligou-se do mundo exterior novamente. Ela estava linda como nunca, o tecido branco molhado, parcialmente cobertos com os cabelos longos e a pele pálida, levemente pigmentada. Perturbado concluiu, Aline era imaculada.

sexta-feira, 13 de julho de 2012


Nem posso lembrar da última vez que choveu assim, com tanta fúria, com tanta ira.
No flash dos relâmpagos vejo a imagem dele se fixar na superfície dessas paredes cobertas por azulejos espelhados.
O som do trovão é o estrondo que ouço nas vezes que correndo, meto o pé nas poças d'água.
À essa altura já não há nada seco em mim, e já não ligo pra isso.
Meu bem, tristeza é não te ter aqui...Na chuva fria, na hora H.

terça-feira, 26 de junho de 2012

A desgraçada suja e bêbada da Augusta (ou O texto Auto-Explicativo).


Em São Paulo meu coração não é o mesmo em noites assim, há muita felicidade forçada por aqui. Seguindo pela rua, nossos olhos vão ficando turvos, diminuem de tamanho.
Na calçada de uma loja de produtos eróticos havia um cara sentado, encostado na vitrine, com um caderno em uma mão e caneta em outra escrevia. Sem ler seus versos eu pude imaginar tudo que ele relatava naquele pedaço de papel, então senti uma vontade imensurável de juntar-me a ele. Já que escrever tem sido a única saída logo eu estaria expelindo versos com bafo de vinho.
Sorte em termos neblina às vezes, deixa o clima mais cinematográfico, a garoa que apaga aos poucos o brilho da vista dos prédios e do relógio grande lá em cima, em frente ao Safra. Isso tudo me transmite aquele sentimento de boa vida momentâneo que a vista nos proporciona. A visão panorâmica dessa superfície de concreto permite sentir  as nuvens despencando nada densas e é preciso quase fechar os olhos para focar objetos mesmo à distâncias curtas. Pra focar gente entupida de tóxico e que precisa fazer dele um aliado para sobreviver, os caras perdidos querendo se aproveitar de alguma forma, as putas pagas ou não, os mendigos, os vendedores de cerveja a três reais. Deve ser a dor que torna essa cidade mais elegante, e eu a devo amar por uma espécie de pena.
Aqui não é permitido esquecer. Então mando mensagem de madrugada cheia de cachaça na cabeça pra dizer que estou na zona sul e narrar quaisquer outros fatos (deixando claro que tudo ali a faz lembrar dele) torcendo pra que não fique puto e ache no mínimo engraçado. Ao menos fui discreta, e não tentei ser a poética chapada, como faço nos outros dias numa tentativa falha de impressionar. Seria interessante saber como se sente quando alguém é capaz de lembrar-se dele enchendo a cara pelas sarjetas da Frei Caneca. Nesse estado eu sou capaz de ouvir até Alcione. Vai ver não é paixão, é vontade. Isso tudo não dará em nada, mas ao menos me rendeu bons escritos.
Realmente não espero nada dele, nem que entenda, nem que mude, nem que se preocupe, nada. Nada apenas. Pode morrer se quiser, porque essa melancolia não tem nada a ver com ele. Talvez só comigo que a qualquer momento poderia cessar o movimento, afinal, ninguém supõe, mas essa calma é imagem e superfície.
São Paulo, não me venha ferir com tua beleza, não venha prometer qualquer sobriedade, encarar a realidade ainda é muito triste e não sinto esse frio que ouço tanto falar por culpa (ou graças ao) alto teor de álcool. Se não eu teria que buscar a religião ou a auto-ajuda ou o suicídio... O dia ameaça amanhecer e o céu começa num tom acobreado da cor dos meus cabelos. O caminho de volta a cidade é sempre o mesmo e o mesmo batom borrado cor de caqui. E não há o que se preocupar. Eu juro. Não há. 

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Eu também gosto quando ele se cala e está como ausente, mas quando chama por meu nome, Pablo, Pablo, ele faz voltar a ter brilho esses olhos cá que passam noites a fio desejando-o.

quinta-feira, 21 de junho de 2012


Seu fantasma que me persegue a semanas, esta a me perturbar o juízo
esses dias ele voltou, sentou-se novamente no sofá
tenho a impressão de que abriu um livro
ele sempre esteve aqui ou eu que só o notei agora?
eu reconheço no seu semblante que
pertence a raça de homens que me arrancam as vísceras.

Amaldiçoada te imagino
(e não sei como sobrevivo)
na solidão de um quarto
revestido por banda larga
é então que me lembro
que és de carne e osso
e isso é o que mais dói.

Saber que perdeu-se a receita da tua infelicidade
permita-me comparar-te à um começo de tarde chuvoso
gosto de entardecer assim
e de palavras pessimistas
e filmes que me fazem chorar
é que amo tudo que me deixe mais triste.

Tenho a impressão
nessas lacunas de imaginação
que a chuva existe por sua causa.

Essas suas palavras
doces ou não
me aliciam
a invadir sua casa
assim, num dia desses
de sol
e fazer uma carnificina
quebrar teus ossos
martelar tua cabeça
rasgar tuas roupas e
- o que seria um prazer e um fim digno de Petiot e Landru -
se eu pudesse atear fogo
queimaria seu corpo, seus escritos, seu animal de estimação.

Notaria então, que esta é a maior prova de paixão que receberia.

Estanquei quando o conheci
Elegi-o meu tesouro intocável
O grande enredo é que
Sem ele, sou como paraplégico disfuncional.

Foi ele que me mostrou que o amor
também habita, e sobretudo habita,
nas coisas mais simples...

Nos dias que nos detalhávamos nossos segredos
Nas noites em que caminhávamos como
dois bandidos
como vagabundos
vira-latas de rua no meio fio
duque e duquesa
embriagados de vinho (barato)

Na noite geradora de tantas lembranças
Tantos crimes acobertados
onde tínhamos um estoque de risos
e contos e lamentações
sobretudo os nossos planos.
Os dias em que éramos cúmplices
de desgraça
de luxúria
de vida afinal.

Naquelas noites em que tudo resumia
em silencio e no silencio
encontrávamos uma
estranha forma de sermos felizes

E como já foi dito
merecemos cremar no inferno
por nossa sinceridade
pelo crime de não haver nesse mundo
intimidade (que se compare)

Apenas nós
dançarinos embriagados
de Dean Martin 
sei que um dia abandonaremos na calçada
as ultimas lembranças, dos ultimos bares
e sucos líbicos recurgitados
Mas o nosso amor
esse jamais acabará.

Dance with me, make me sway...

domingo, 17 de junho de 2012

Mas é isso então
amor tem é cheiro
de álcool
lágrima
sangue
suor
plástico
e chorume
o resto é só literatura.

não farei o teu desejo
lhe dando versos, joão
pois não há como retratar o naufragio dos teus olhos
em poesia

veja bem
eu não escrevo pra ser boa nisso
e não sou
essas palavras são todas manjadas
mas seria você pretensioso
ao desprezar meu clichê, joão

desculpe
mas agora vou exercer o direito que todo ser humano tem
de me embebedar em algum boteco fedorento
e chorar na calçada

não que você já me tenha feito algo
pelo contrário
é que sentir algo por si só, joão
já é desesperador.

quarta-feira, 13 de junho de 2012



20:54pm
- Oi,posso entrar? Preciso muito falar com você...
- Claro, mas estou com cheiro de álho e cândida, essa vida de dona de casa é triste. Pode esperar eu tomar um banho?
- Tudo bem.
Saí, apertando o cabelo molhado na toalha. Sentei-me no tapete apoiando as costas no sofá.
- Bom, pode começar
- Eu não sei por onde começar
- Se trata da menina de cabelos longos?
- É, ela me deixou. Sabe camila, é nessas horas que acredito em Deus, filho da puta! Ele é um filho da  puta! -gritava- mesmo ela com aquele ar de vadia que exalava e o cigarro maldito que não largava, aquele cheiro aflorava meu ódio e mesmo assim ela me deixou. Nunca, ninguém vai gostar de mim...
- Veja bem Diego, pra nossa sorte, vivemos num mundo onde tem gente que gosta de transar com animais, com mortos, tem gente que gosta de comer barat...
- Ta bom camila, eu ja entendi.
- Não, brincadeira...O que estou querendo dizer é que sempre existem outras pessoas
- É o que dizem. você é feliz camila? Você esta sempre rodeada de pessoas, sempre saindo...Por que comigo as coisas não funcionam assim?
Soltei uma risada irônica.
- Sabe...Já dizia um bom amigo meu, ''na rotina dos bares que apesar dos pesares me trazem você''
- Camila, é Vinicius de Moraes, não é amigo seu.
- Por favor, não interrompa...De calçada em calçada as vezes me vem um certo semblante
a pele clara, a barba preta e comprida, o corpo pálido, magro..jogado naquela cama, naquele quarto que nunca nem me viu, que abrigam os olhos de quem até hoje mal me notou. E as vezes eu até sento aquele semblante nesse sofá e ele fica aí olhando, não fala nada, só olha. Eu fico pela casa e deixo ele me observar que é pra ver se me nota e isso tudo sem que ele saia daquele quarto. É o ponto mais alto que a imaginação pode chegar. O segredo é não se desesperar. Ele ta lá. Eu to aqui. Pronto. Sou essa materialização do desastre. Ele um pouco pior que isso. Mas como você diz pra uma pessoa ''olha, eu to querendo te fazer feliz, posso tentar?'' Falando assim soa como ''me passe a manteiga''. Bom, pra mim expressar sentimentos sempre foi algo impossível, aí eu me conformei. E você na verdade não odeia o cigarro dela. Você odeia o fato de sentir falta do cigarro dela, de olhar pro cinzeiro na mesa e ver aquela bituca manchada de batom...E o gosto da sua saudade é aquele amargo que ficava o beijo dela...
- É, é verdade...Mas e quando você sente falta de algo? Tem gosto do que?
- Bom, aí depende, as vezes tem gosto de álcool, as vezes eu só pinto as unhas...Mas quase todas as vezes tem gosto de vinho sem marca. Ela fumava o que?
- Sei lá, Marlboro eu acho
- Humm, então é marlboro, a marca da sua saudade.

quarta-feira, 6 de junho de 2012


Em memória póstuma à três anos,
eu não sei dizer se se comemora a desgraça
Por ironia de qualquer merda que você tenha crença
hoje é uma quarta feira, cinza, chuvosa e amaldiçoada
E se você pensasse em aparecer com flores eu faria você engoli-las
Uma a uma, espinho por espinho
Vou pegar minha estaca e me certificar pra que teu demônio não está embaixo da cama
Pois não me bastou ter te matado uma vez
Tenho que matar-lhe todos os dias.
E sem ter que pensar muito, ao invés de aceitar eu deveria ter desejado que você cagasse cada uma das flores.

terça-feira, 29 de maio de 2012


Samuel estava sentado na cadeira em frente ao computador enquanto Caroline deitada na cama mantinha os olhos fixos em seus olhos escuros hipnotizantes, devorando a sua alma enquanto a observava sorrindo sutilmente.
-Por que é tão quieto?
Samuel não respondeu, arrastou a cadeira até a beirada da cama, encostou seus dedos nos dedos de Caroline, passava-os por toda sua palma. Ele bebia o seu sangue antes mesmo de lhe tocar.
Caroline respirava cada vez mais forte, sentia medo da vontade que sentia, não de Samuel, que por sua vez encostou os joelhos na cama e deitou sobre Caroline que nem por um segundo pensou em evitar o que acontecia.
Samuel deixou de estar ao seu lado para estar em cima do corpo de Caroline, à segurava pelos cabelos com tal força que alguns fios saiam em sua mão, deixando-a com as costas fortemente curvadas e seu pescoço jogado para trás, ele sentiu vontade de apertá-lo com força, mas sabia que não o faria.
Bebem-se como se bebessem o sangue um do outro, se embriagam.
Aquela saliva queima sua língua, dança pela sua garganta e revira seu estômago e anestesia a sua mente. Ela gritava seu nome em silêncio enquanto desejava as dores mais excruciantes e infindáveis. Todos os pelos de seu corpo arrepiavam-se, se contorcia. Era daquela selvageria que gostava. Sentia dor em cada músculo de corpo. Samuel podia ouvir as batidas do coração dela, rápidas, se acalmando aos poucos. Ele brinca com a morte e recita seus textos. Corta cabeças, gargantas, come corações.  Fez dela um próprio poema. Ele sorria do fundo de sua alma vazia que não vê o porquê de existir em seu corpo como um câncer que não regride. Sentia o ar preenchendo os pulmões graciosamente, tal como o som dos ruídos de Caroline. Traiçoeiro em um ménage a trois com a solidão.

domingo, 29 de abril de 2012


O dia já havia começado à horas e Marina tinha acabado de acordar com aquele gosto estranho na boca, lábios ressecados, e o corpo pedindo água, foi quando levantou-se e caminhou até a cozinha onde encontrou Paulo tomando leite direto da caixa com a porta da geladeira aberta, ela não liga, nunca ligou.
- Vai fazer algo hoje à tarde?
- Sim, vida. Estou pensando em visitar minha mãe.
- Ah sim, é bom que eu visite a minha também e sinto saudades da Luana.
- Eu entendo bem, então vamos. E a noite?
- Ah, ‘’sacomé’’ né?
- Sei. Sei.  (risos)
Marina tomou um banho e passou por Paulo que se encontrava deitado com o notebook no colo, deu-lhe um beijo na testa, avisou que já estava saindo e desceu. Caminhando em direção ao metro notou que seria um daqueles dias que a noite é movimentada ali pela zona sul. Paulo provavelmente esperou que a preguiça que tomava conta de seu todo evaporasse junto com o álcool de horas atrás e foi visitar seus pais e irmã. Ao chegar respondeu as mesmas perguntas de sempre sobre  Marina e seu emprego, estavam bem e havia algumas propostas muito boas em vista.
Á essa hora  Marina já estava abraçada com sua irmã no sofá tomando nota de mil novidades que sua mãe contara, sobre sua tia Cecília e sua eterna infelicidade, sobre seus avós e os vizinhos. Paulo foi embora após passar a tarde desenhando com Luana e longos abraços com sua mãe.  Marina passou em seus avós e avisou sua mãe e voltaria no meio da semana, talvez dormisse lá. Dois terços do dia já haviam passado e à essa hora os dois já tinham seus convites e programações pro sábado a noite.  Marina iria encontrar-se com um cara que conheceu no final de semana anterior para beber alguma coisa lá pelos bares de sempre mesmo. Paulo se encontraria com alguém também que marcou por telefone a alguns dias. Acabaram não se encontrando pelo apartamento. Nota-se que os dois tiveram preguiça de lavar a louça, mas pelo menos não existia tanta roupa jogada pela casa.  Paulo comia pizza e conversava sobre teatro e cinema na casa de alguém na zona norte, ou centro, enfim. Enquanto  Marina reforçava a maquiagem dos olhos e esperava os minutos passarem para descer. Às vezes os dois gostavam de testar os limites ou fingir saúde, podiam apenas ficar na varanda olhando as luzes amarelas lá de cima, a cidade acesa...Dependia do dia, normalmente dependia da noite anterior. Nos dias úteis acaba sempre na mesma rotina, saem e chegam quase no mesmo horário,  Marina gosta de cozinhar pros dois, às vezes Paulo leva algo diferente para jantarem, tem dias que mal trocam palavras, dias que saem juntos para caminhar pela Paulista.
Marina encontrou-se com o cara do final de semana passado, conversaram, tomaram algumas coisas juntos, não se esforçaram muito para encontrar um lugar pra sentar, ela não queria o levar pra casa, não que houvesse algo errado, ele só não há surpreendia como todos os outros.  Acontece que ela vivia em constante paixão, sempre estava apaixonada por um, morria de amores até dar alguma merda muito grande ou aparecer outro mais interessante. No fundo ela sempre pensa ‘’dessa vez vai dar certo’’.
Paulo entediou-se com a pizza, com a bebida e todo o resto até a hora de saciar seus desejos carnais, seus sentimentos tinham um lugar já, não havia perigo de se apaixonar, não havia chance. Já existe alguém. Paulo faz o que faz porque é jovem, ama e é jovem, mas ama incondicionalmente. Terminou o que havia de ser feito e foi de encontro a zona sul, de encontro a sua casa e toda a perdição da cidade.  Conheciam muita gente por ali, estavam na mesma avenida socializando com as mesmas pessoas de todos os sábados, conhecendo algumas novas...
Paulo foi até o bar que costuma encontrar  Marina, passou por algumas pessoas, cumprimentou, olhou por cima e avistou os cabelos ruivos levemente alaranjados de  Marina e seu rosto fez uma expressão querendo dizer ‘’já estou aqui’’,  Marina olhou e continuou na roda que estava com o copo não mão. Paulo se aproximou.
- O que é isso? - Pegou a bebida da mão de  Marina e deu um gole.
- Ainda bem que você chegou a tempo, estava prestes a fumar haxixe com dois angolanos.
- Nossa, Marina, que fase. – E deu risada mesmo não gostando da ideia.
- Brincadeira, como foi lá?
- Normal, e aí? Cheio hoje, né?
- É, encontrei bastante gente. Tem cinco reais?
- Sempre guardo, esperando você perguntar.
- Ótimo, também tenho.  Vamos lá.
Afastaram-se do aglomerado de pessoas conhecidas e seguiram subindo a avenida até o cara que vende dois vinhos por dez reais, compraram, se sentaram na calçada, contaram alguns detalhes sórdidos ou não da noite um para o outro.
- Acho que já temos estabilidade para ter um cachorro.
- Dallas?
- Claro.  Vamos subir ou continuar por aqui?
- Ah, vamos beber e ver no que dá, a noite está boa, vamos aproveitar, não é sempre assim.
- Certo.
É provável que o domingo seja regado a comida, filmes e varanda.
E quase como um ritual os dois continuam sentados assistindo todo tipo de gente passar, estipulando os casais gays entre ‘’passivo’’ e ‘’ativo’’ e todas as outras brincadeiras internas que não teriam graça se não fosse os dois. E a noite começa ou acaba assim, o vento passa e eles o acompanham, nesses momentos é como se tudo os pertencesse e não devessem nada à ninguém, nem explicação, nem hora, nem vida. Até porque final ou começo de noite, eles tem somente um ao outro. E isso é tudo que precisam ter.


sábado, 21 de abril de 2012


- Hoje pensei que meu peito não fosse suportar

- Ainda bem que pensei em guardar algum resto de bebida para beber depois

- Você e esses hábitos podres

- Você e sua podridão, sem esforço algum

- Eu sabia que um pouco de nossa raiva seria póstuma.

- Em prestações.

- Não sei dizer se os sorrisos e olhares que trocamos foram ironicos o bastante...

- Você vai envelhecer e se arrepender, você é covarde.

- O fato é que nós nos esqueceremos por que ambos somos covardes.

- Não, nós não vamos nos esquecer. Vamos desejar todos os dias nunca mais nos encontrar, vamos desejar a infelicidade do outro e o telefone tocar pra responder com sete pedras nas mãos.

- Sabe, você gritava como quem arrancava um demônio.

- Eu fechei meus punhos, eu bati, eu soquei, eu gritei. Lá de cima eu gritava, eu gritava toda a minha força pra fora...Já você, você não teve tempo de respirar...Ficou lá...

- Eu vi, ta, ta, ta.

- Eu aprendi a usar a vida à meu favor, você nem sabe que tem uma ainda...

- Da pra parar de falar disso?

- Dá. Eu tenho medo de te encontrar mas quando encontro, é simplesmente você com as mesmas camisetas, o mesmo jeito estranho e engraçado de andar.

- Isso é...Tava me faltando essa dose de acaso, de você,  pra encher essa solidão de sentido. Tua pele branca e teu cheiro doce assim, do teu jeito de não se preocupar.

- Eu me preocupo.. mas poderia falar que amaria metade daquele lugar, o que seria irônico. Estava cheio e você era, era um buraco negro que me engolia todas as vezes que cruzava meu caminho.

- Eu pensava que podia sobreviver a mim mesmo, mas era impossível. impossível sem você. Aí te engoli (risos).

- Sabe, eu vi seus olhos brilhando quando olhou pra mim e cantou sorrindo...

- Também não há como negar o brilho dos seus olhos...

- Não houve naquele lugar, quem não tenha visto o teu sorriso.

- Esquece isso, foi um passado bom.

- Odeio quando você fala assim.

- Mágoa, amor, ódio, raiva, paixão, devem ter dado os nomes errados para as coisas certas.

- Só me restou ódio e a propósito... a idade está lhe caindo e os cabelos...

- Vai se foder, desisti. E você não desiste de mudar esse seu cabelo não?

- Não. mudo por fora, porque dentro não da pra tingir.

- Você não muda

- Olha quem fala

- Deixa eu ir, até daqui três meses

- Quando você diz isso te imagino contando os dias em um calendário

- Mas sabemos que vamos nos ver em breve...

- Talvez na semana que vem, talvez no ano que vem, talvez nunca mais.

- Ou talvez em três meses.

- Você não desiste dessa coisa dos ''três meses'' né?

- Não.

- Sabe, não dói mais.

- Só não some a cicatriz.

- É...

domingo, 15 de abril de 2012

E cá estamos nós de novo, os três mosqueteiros não tão corajosos como os originais, de volta ao ponto de partida. Crescidos, maduros, mudados. Mais fortes, mais frios, definitivamente mais frios. Parece que conseguimos o que queríamos, cada um a sua particularidade. Mas estamos aqui de novo. Dessa vez sem lágrima, sem choro nem vela.
Estamos de volta a onde tudo começou...Mas dessa vez acho que pode ser a nossa vez.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Garçom chega proximo à mesa ''falta alguma coisa senhora?''
Sim, sempre falta algo. Falta uma tigela de gelo na minha bebida pra me salvar desse calor sub humano e algo pra preencher esse vazio. Falta também algum tipo de bom senso ou controle mental que não me permita mais borrifar aquele perfume pelo quarto pra sentir o cheiro dele.
Falta algo que me tire dessa condição medíocre que me meti. Falta um murro bem dado na minha cara que me arranque um dente ou dois. Falta tirar meu coração da garganta, o soluço e essa agonia que me escorre pelos olhos. Falta paz quando encosto a cabeça no travesseiro, falta vontade quando desencosto. O garçom olha com ar de interrogação e de quem espera atentamente por uma resposta.
Sim, mais um café gelado, por favor.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Peguei tudo o que tinha: Moedas, cigarros soltos, isqueiro velho, alguns objetivos odiosos e saí sem princípios com um dos vestidos de festa mais bonitos que encontrei, daqueles rodados e com babados, cor de palha meio rosado. Rosado como o tom natural de minhas bochechas que à esta altura encontravam-se vermelhas como pimenta por conta do porre de vinho e decepções que tomei mais cedo. Já passavam das 22:00 e enquanto caminhava pela av. Vergueiro às únicas companhias eram as putas do outro lado da rua. Procurei por algum bar com uma quantidade razoável de miseráveis para comprar café em copo descartável no caminho da praça japonesa. Sentei-me em um dos degraus mais baixos, próximo ao portão. Pelos fones, não tão altos quanto precisava, ouvia qualquer música triste o bastante que me fizesse derramar mais alguma porrada de lágrimas que escorriam pela maquiagem já borrada. Dentre tudo que acontecia naquela rua a única coisa que conseguia olhar era a sombra na calçada, os cabelos por pentear, as vísceras em jogo e o coração à beira de um precipício. Sem esmero, sem destino, sem naturalidade. Sem equilíbrio algum.