O dia já havia
começado à horas e Marina tinha acabado de acordar com aquele gosto estranho na
boca, lábios ressecados, e o corpo pedindo água, foi quando levantou-se e
caminhou até a cozinha onde encontrou Paulo tomando leite direto da caixa
com a porta da geladeira aberta, ela não liga, nunca ligou.
- Vai fazer algo
hoje à tarde?
- Sim, vida.
Estou pensando em visitar minha mãe.
- Ah sim, é bom
que eu visite a minha também e sinto saudades da Luana.
- Eu entendo bem,
então vamos. E a noite?
- Ah, ‘’sacomé’’
né?
- Sei. Sei. (risos)
Marina tomou um
banho e passou por Paulo que se encontrava deitado com o notebook no colo, deu-lhe
um beijo na testa, avisou que já estava saindo e desceu. Caminhando em direção
ao metro notou que seria um daqueles dias que a noite é movimentada ali pela
zona sul. Paulo provavelmente esperou que a preguiça que tomava conta de seu
todo evaporasse junto com o álcool de horas atrás e foi visitar seus pais e
irmã. Ao chegar respondeu as mesmas perguntas de sempre sobre
Marina e seu emprego,
estavam bem e havia algumas propostas muito boas em vista.
Á essa hora
Marina já estava abraçada com sua irmã no sofá tomando nota de mil novidades que sua mãe
contara, sobre sua tia Cecília e sua eterna infelicidade, sobre seus avós e os
vizinhos. Paulo foi embora após passar a tarde desenhando com Luana e longos
abraços com sua mãe.
Marina passou em seus avós e avisou sua mãe e voltaria no
meio da semana, talvez dormisse lá. Dois terços do dia já haviam passado e à
essa hora os dois já tinham seus convites e programações pro sábado a noite.
Marina iria encontrar-se com um cara que conheceu no final de semana anterior para
beber alguma coisa lá pelos bares de sempre mesmo. Paulo se encontraria com
alguém também que marcou por telefone a alguns dias. Acabaram não se encontrando
pelo apartamento. Nota-se que os dois tiveram preguiça de lavar a louça, mas
pelo menos não existia tanta roupa jogada pela casa. Paulo comia pizza e conversava sobre teatro e
cinema na casa de alguém na zona norte, ou centro, enfim. Enquanto
Marina reforçava
a maquiagem dos olhos e esperava os minutos passarem para descer. Às vezes os
dois gostavam de testar os limites ou fingir saúde, podiam apenas ficar na varanda
olhando as luzes amarelas lá de cima, a cidade acesa...Dependia do dia,
normalmente dependia da noite anterior. Nos dias úteis acaba sempre na mesma
rotina, saem e chegam quase no mesmo horário,
Marina gosta de cozinhar pros
dois, às vezes Paulo leva algo diferente para jantarem, tem dias que mal trocam
palavras, dias que saem juntos para caminhar pela Paulista.
Marina encontrou-se com o cara do final de semana passado, conversaram, tomaram
algumas coisas juntos, não se esforçaram muito para encontrar um lugar pra
sentar, ela não queria o levar pra casa, não que houvesse algo errado, ele só não
há surpreendia como todos os outros. Acontece
que ela vivia em constante paixão, sempre estava apaixonada por um, morria de
amores até dar alguma merda muito grande ou aparecer outro mais interessante. No
fundo ela sempre pensa ‘’dessa vez vai dar certo’’.
Paulo entediou-se
com a pizza, com a bebida e todo o resto até a hora de saciar seus desejos
carnais, seus sentimentos tinham um lugar já, não havia perigo de se apaixonar,
não havia chance. Já existe alguém. Paulo faz o que faz porque é jovem, ama e é
jovem, mas ama incondicionalmente. Terminou o que havia de ser feito e foi de
encontro a zona sul, de encontro a sua casa e toda a perdição da cidade. Conheciam muita gente por ali, estavam na
mesma avenida socializando com as mesmas pessoas de todos os sábados,
conhecendo algumas novas...
Paulo foi até o
bar que costuma encontrar
Marina, passou por algumas pessoas, cumprimentou, olhou
por cima e avistou os cabelos ruivos levemente alaranjados de
Marina e seu rosto
fez uma expressão querendo dizer ‘’já estou aqui’’,
Marina olhou e continuou na
roda que estava com o copo não mão. Paulo se aproximou.
- O que é isso? -
Pegou a bebida da mão de
Marina e deu um gole.
- Ainda bem que
você chegou a tempo, estava prestes a fumar haxixe com dois angolanos.
- Nossa, Marina,
que fase. – E deu risada mesmo não gostando da ideia.
- Brincadeira,
como foi lá?
- Normal, e aí? Cheio hoje, né?
- É, encontrei
bastante gente. Tem cinco reais?
- Sempre guardo,
esperando você perguntar.
- Ótimo, também
tenho. Vamos lá.
Afastaram-se do
aglomerado de pessoas conhecidas e seguiram subindo a avenida até o cara que
vende dois vinhos por dez reais, compraram, se sentaram na calçada, contaram alguns
detalhes sórdidos ou não da noite um para o outro.
- Acho que já
temos estabilidade para ter um cachorro.
- Dallas?
- Claro. Vamos subir ou continuar por aqui?
- Ah, vamos beber
e ver no que dá, a noite está boa, vamos aproveitar, não é sempre assim.
- Certo.
É provável que o
domingo seja regado a comida, filmes e varanda.
E quase como um
ritual os dois continuam sentados assistindo todo tipo de gente passar,
estipulando os casais gays entre ‘’passivo’’ e ‘’ativo’’ e todas as outras
brincadeiras internas que não teriam graça se não fosse os dois. E a noite
começa ou acaba assim, o vento passa e eles o acompanham, nesses momentos é como
se tudo os pertencesse e não devessem nada à ninguém, nem explicação, nem hora,
nem vida. Até porque final ou começo de noite, eles tem somente um ao outro. E
isso é tudo que precisam ter.