domingo, 29 de abril de 2012


O dia já havia começado à horas e Marina tinha acabado de acordar com aquele gosto estranho na boca, lábios ressecados, e o corpo pedindo água, foi quando levantou-se e caminhou até a cozinha onde encontrou Paulo tomando leite direto da caixa com a porta da geladeira aberta, ela não liga, nunca ligou.
- Vai fazer algo hoje à tarde?
- Sim, vida. Estou pensando em visitar minha mãe.
- Ah sim, é bom que eu visite a minha também e sinto saudades da Luana.
- Eu entendo bem, então vamos. E a noite?
- Ah, ‘’sacomé’’ né?
- Sei. Sei.  (risos)
Marina tomou um banho e passou por Paulo que se encontrava deitado com o notebook no colo, deu-lhe um beijo na testa, avisou que já estava saindo e desceu. Caminhando em direção ao metro notou que seria um daqueles dias que a noite é movimentada ali pela zona sul. Paulo provavelmente esperou que a preguiça que tomava conta de seu todo evaporasse junto com o álcool de horas atrás e foi visitar seus pais e irmã. Ao chegar respondeu as mesmas perguntas de sempre sobre  Marina e seu emprego, estavam bem e havia algumas propostas muito boas em vista.
Á essa hora  Marina já estava abraçada com sua irmã no sofá tomando nota de mil novidades que sua mãe contara, sobre sua tia Cecília e sua eterna infelicidade, sobre seus avós e os vizinhos. Paulo foi embora após passar a tarde desenhando com Luana e longos abraços com sua mãe.  Marina passou em seus avós e avisou sua mãe e voltaria no meio da semana, talvez dormisse lá. Dois terços do dia já haviam passado e à essa hora os dois já tinham seus convites e programações pro sábado a noite.  Marina iria encontrar-se com um cara que conheceu no final de semana anterior para beber alguma coisa lá pelos bares de sempre mesmo. Paulo se encontraria com alguém também que marcou por telefone a alguns dias. Acabaram não se encontrando pelo apartamento. Nota-se que os dois tiveram preguiça de lavar a louça, mas pelo menos não existia tanta roupa jogada pela casa.  Paulo comia pizza e conversava sobre teatro e cinema na casa de alguém na zona norte, ou centro, enfim. Enquanto  Marina reforçava a maquiagem dos olhos e esperava os minutos passarem para descer. Às vezes os dois gostavam de testar os limites ou fingir saúde, podiam apenas ficar na varanda olhando as luzes amarelas lá de cima, a cidade acesa...Dependia do dia, normalmente dependia da noite anterior. Nos dias úteis acaba sempre na mesma rotina, saem e chegam quase no mesmo horário,  Marina gosta de cozinhar pros dois, às vezes Paulo leva algo diferente para jantarem, tem dias que mal trocam palavras, dias que saem juntos para caminhar pela Paulista.
Marina encontrou-se com o cara do final de semana passado, conversaram, tomaram algumas coisas juntos, não se esforçaram muito para encontrar um lugar pra sentar, ela não queria o levar pra casa, não que houvesse algo errado, ele só não há surpreendia como todos os outros.  Acontece que ela vivia em constante paixão, sempre estava apaixonada por um, morria de amores até dar alguma merda muito grande ou aparecer outro mais interessante. No fundo ela sempre pensa ‘’dessa vez vai dar certo’’.
Paulo entediou-se com a pizza, com a bebida e todo o resto até a hora de saciar seus desejos carnais, seus sentimentos tinham um lugar já, não havia perigo de se apaixonar, não havia chance. Já existe alguém. Paulo faz o que faz porque é jovem, ama e é jovem, mas ama incondicionalmente. Terminou o que havia de ser feito e foi de encontro a zona sul, de encontro a sua casa e toda a perdição da cidade.  Conheciam muita gente por ali, estavam na mesma avenida socializando com as mesmas pessoas de todos os sábados, conhecendo algumas novas...
Paulo foi até o bar que costuma encontrar  Marina, passou por algumas pessoas, cumprimentou, olhou por cima e avistou os cabelos ruivos levemente alaranjados de  Marina e seu rosto fez uma expressão querendo dizer ‘’já estou aqui’’,  Marina olhou e continuou na roda que estava com o copo não mão. Paulo se aproximou.
- O que é isso? - Pegou a bebida da mão de  Marina e deu um gole.
- Ainda bem que você chegou a tempo, estava prestes a fumar haxixe com dois angolanos.
- Nossa, Marina, que fase. – E deu risada mesmo não gostando da ideia.
- Brincadeira, como foi lá?
- Normal, e aí? Cheio hoje, né?
- É, encontrei bastante gente. Tem cinco reais?
- Sempre guardo, esperando você perguntar.
- Ótimo, também tenho.  Vamos lá.
Afastaram-se do aglomerado de pessoas conhecidas e seguiram subindo a avenida até o cara que vende dois vinhos por dez reais, compraram, se sentaram na calçada, contaram alguns detalhes sórdidos ou não da noite um para o outro.
- Acho que já temos estabilidade para ter um cachorro.
- Dallas?
- Claro.  Vamos subir ou continuar por aqui?
- Ah, vamos beber e ver no que dá, a noite está boa, vamos aproveitar, não é sempre assim.
- Certo.
É provável que o domingo seja regado a comida, filmes e varanda.
E quase como um ritual os dois continuam sentados assistindo todo tipo de gente passar, estipulando os casais gays entre ‘’passivo’’ e ‘’ativo’’ e todas as outras brincadeiras internas que não teriam graça se não fosse os dois. E a noite começa ou acaba assim, o vento passa e eles o acompanham, nesses momentos é como se tudo os pertencesse e não devessem nada à ninguém, nem explicação, nem hora, nem vida. Até porque final ou começo de noite, eles tem somente um ao outro. E isso é tudo que precisam ter.


Um comentário:

  1. gostei do estil ode escrita, bem profissional, com bom português e enredo bem enquadrado, recomendo a todos uma leitura ou até mesmo várias do mesmo texto, abraços e boa noite!

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